A banda Wry, que lançou Noites Infinitas em 2020 (Divulgação)
A banda Wry, que lançou Noites Infinitas em 2020 (Divulgação)
Reportagem Especial

Wry usa foco e essência contra contexto sombrio

Num contexto ainda sombrio, a Wry mantém um foco bem definido e quer ser entendida. Mudando, mas sem nunca perder sua essência. Referência no cenário alternativo e underground brasileiro, a banda nem bem lançou seu sexto álbum, Noites Infinitas, e já trabalha em um novo projeto.

“A primeira vez que a gente escreve um álbum tão focado. Nunca foi tão focado como agora. Até no jeito de divulgar, de trabalhar o que a gente queria que o álbum fosse.”

Mario Bross

Noites Infinitas começou a ser criado em um momento bem difícil para os integrantes da Wry. Em julho de 2018, o festival Circadélica foi cancelado, supostamente, pela ausência de um alvará do Corpo de Bombeiros de Sorocaba, onde acontece, no interior de São Paulo.

Para Mario Bross, vocalista, guitarrista e letrista da Wry, que conta ainda com Lu Marcello, William Leonotti e Italo Ribeiro, além de um dos organizadores do Circadélica, aquele cancelamento e a liberação e crescimento de uma onda ultraconservadora no Brasil, tiveram impacto na criação do álbum. ‘Vem num contexto sombrio. Para todo mundo, e para gente até de um jeito mais acentuado’, diz em entrevista ao Bem Rock.

O músico cita Desculpe-me Por Ser Assim, última canção do álbum, como um exemplo da influência do momento em Noites Infinitas. A inspiração para a música, conta, passa pelo bar Asteroid, de sua propriedade, com seu público LGBTIA+, e também de uma cena que vivenciou com sua esposa.

Saiba mais sobre a Wry

‘Eu sentia uma coisa tão legal de uma época, parecia que a galerinha estava andando de mãos dadas, se beijando, e fazendo as coisas de um jeito mais livre. De repente parece que voltou ao passado. Parece que agora é perigoso de novo dois homens se beijarem’, continua.

‘A gente estava passando em um semáforo, eu e minha esposa, e a gente viu um grupo de amigos, inclusive era assistente dela, um grupo de amigos que acho que todos eram gays. Até hoje me arrepia de lembrar, passando os carros e os caras começaram a gritar, a xingar. Foi tão triste’, relembra Mario.

CORAÇÃO PARTIDO, FOCO E A LÍNGUA PORTUGUESA
O ‘contexto sombrio’ em que surgiu o álbum Noites Infinitas fez com que a Wry quisesse ser bem entendida. E, para isso, uma mudança, que começou a surgir com o fim do casamento de um astro do rock alternativo inglês, ganhou força para Mario Bross – compor e cantar na língua portuguesa, que já havia começado com o álbum She Science, de 2009.

O astro, em questão, é Tim Wheeler, da banda Ash, produtor das três primeiras músicas do cultuado álbum Flames in the Head, da Wry, de 2007. ‘O fato de a gente ter sido produzido pelo Tim tem a ver com a letra. Ele tinha terminado um casamento de seis anos e ele falou que uma coisa da letra pegou nele. Eu lembro que algo mudou em mim’, relembra o músico brasileiro.

Mario também conta de uma experiência já no Brasil, cantando a música In the Hell of My Head, do álbum Flames in the Head. ‘Lembro de querer que as pessoas entendessem o que eu estava falando’, conta. E isso influenciou no desejo de que as mensagens do novo álbum fossem melhor entendidas. ‘Eu não ligava tanto. Mas agora no Noites Infinitas é mais focado. Eu pensei muito, mudei letra, prestei atenção na métrica’, explica, entre outras coisas.

Além das letras, toda a parte musical de Noites Infinitas foi muito bem trabalhada pela banda, entre 2018 e 2020, inclusive com muitas mudanças em algumas das músicas do álbum. ‘Metade a gente mudou bastante, metade como ela veio ao mundo’, conta Mario.

‘É quase que uma desconstrução de não querer fazer aquilo que você sempre fez, de não ter preguiça. E saber que a essência não muda. A gente quis fazer um álbum super diferente do que a gente fez’. Tudo isso, sem perder a identidade da banda. ‘Quem gosta muito de Wry, conhece muito, fala que o Wry está muito lá’, continua.

O objetivo foi de conseguir reforçar as mensagens das letras, mas também ajudar a colocar a Wry em destaque. ‘Como que uma banda de rock, do jeito que está o indie brasileiro, que é quase uma nova MPB, como vai se destacar. Eu quero que as pessoas conheçam o Wry, eu quero estar ali ainda, tocar nos festivais. Então a gente teve esse foco também, pensando em como está o indie e como a gente pode fazer para a gente se destacar’.

Uma mudança na sonoridade, segundo Mario, é na parede de guitarras. ‘Sem tirar a essência, continuando sendo a banda que a gente é. Está mais leve no sentido que tem menos paredes de guitarra. Tem ainda, mas ela está com um pedal que dá uma sensação de sintetizador. Tem uma parede de guitarra mais moderna, não é só aquela distorção louca’, diz o músico.

NOITES INFINITAS 2
Se em 2018 o clima político e a ascensão da extrema-direita no Brasil preocupavam e davam o tom de Noites Infinitas, em 2020 a pandemia de Covid-19 foi um novo tempero para a Wry. E, agora com os cuidados necessários, a banda trabalha em um novo álbum.

‘A gente já tem a parte dois. A gente está brincando que o nome é Futuro Perdido. Já tem oito ou nove músicas. Já tem gravadas, em demo. Gravei sozinho, mas com ideias deles vindo e construindo músicas novas. Tem oito que já tem as letras, os nomes, a estrutura das músicas’, explica Mario Bross.

O clima do álbum vai seguir a linha do atual, lançado no último mês de outubro. ‘É quase um Noites Infinitas 2. Mas o que mais acentua é o isolamento social’, conta. A banda já tem até uma data desejada para lançar este novo trabalho. ‘A gente queria que fosse daqui um ano’.

Mario continua pensando em usar a língua portuguesa para conseguir atingir o entendimento de um número maior de pessoas. ‘As oito primeiras são em português. Não é muito uma regra, mas eu gosto de escrever dos dois jeitos. Em português me dá a possibilidade de me expressar melhor, querer que as pessoas entendam’, conta.

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